segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Seja livre para cear com o Senhor da graça


‘’Então diz aos servos: As bodas, na verdade, estão preparadas, mas os convidados não eram dignos. Ide, pois, às saídas dos caminhos, e convidai para as bodas a todos os que encontrardes. E os servos, saindo pelos caminhos, ajuntaram todos quantos encontraram, tanto maus como bons; e a festa nupcial foi cheia de convidados’’.

        Em 2009 tive que tomar uma decisão muito séria. Mas hoje vejo que agi como Abraão. Deixei a comunidade local, onde eu construíra a minha vida ministerial para dar início a um novo tempo, onde eu pudesse respirar ares de liberdade. Parti iniciando uma nova peregrinação. Neste tempo conheci uma igreja que se intitula herdeira da reforma de João Calvino. Ali ‘’armei minhas tendas’ ’mas em pouco tempo percebi que os habitantes daquele território eram hostis a minha presença. Apesar de todas as incongruências daquele sistema religioso, sabe o que mais me impressionava? Eram os dois períodos mais angustiantes que eu suportava na liturgia do culto evangélico-reformado desta ‘’igreja’’: Quando se dava o momento das músicas e por costume, cantava-se mecanicamente uma canção alusiva à prática do amor ao próximo e a flagrante ausência da verdadeira comunhão entre eles ao celebrar a santa ceia. Mesmo eu não sabendo ao certo o porquê da insatisfação no meu espírito, hoje sei que era a revelação da simplicidade de ser a igreja de Jesus na liberdade de sua graça. No mais íntimo do meu ser, era ciente de que o institucionalismo denominacional é uma deturpação da vida prática da Igreja, que nada tem a ver com a Igreja bíblica, com a comunidade da fé, mas eu abafava esse calor revolucionário com as cobertas do conformismo. Com o passar do tempo, essa verdade transformadora já estava de tal modo enraizada em meu ser, que os conflitos naturalmente surgiam. Quando ao ler a Bíblia desteologizadamente, as escamas da religiosidade caíram e ao analisar o procedimento dos primeiros cristãos, a conduta inclusiva e fraterna que tinham, os ensinamentos de Paulo sobre a vida igualitária em comunidade, a ênfase de João no tocante ao amor verdadeiro, não percebia relação alguma com o que conhecia e o que chamava de igreja com a revelação relacional dos crentes do novo testamento. Tenho pena dos jovens que congregam naquele lugar de falsidade, jovens sem senso crítico, imaturos, tomados por um conformismo mórbido, com uma falta de percepção das verdades espirituais, vão engolindo ‘’guela abaixo’’todos os impropérios que lhe são apresentados nas pregações dos líderes fariseus.
     À medida que o meu entendimento era iluminado, foi se desencadeando em mim um desconforto diante do cerimonialismo reinante naquela congregação quando se celebrava a ceia do Senhor. Hoje já desvinculado do denominacionalismo, caminho sem as viseiras doutrinárias, percebendo o quão é grande a bondade do Senhor, o quanto Ele deseja revelar a liberdade da graça e da verdade aos seus filhos.
          A primeira obra de iluminação veio a mim, em meados de 2004 quando me convenci que a Ceia do Senhor poderia ser celebrada nos reuniões dos grupos pequenos nos lares, em total consonância com os ensinos do Novo Testamento. Depois descobri, pelo entendimento do pacto da aliança, que os filhos dos crentes são convidados para junto de seus pais, a comemorarem a morte e ressurreição de Jesus na Ceia. Afinal se os nossos filhos são recebidos como participantes da benção da aliança, não podemos impedi-los de desfrutar dos benefícios visíveis da vida em Cristo. Mais adiante compreendi que a maneira como a Ceia é celebrada nas denominações evangélicas, é completamente diferente do sentido para qual fora estabelecida. A Ceia do Senhor como o próprio nome já diz deve ser uma refeição comunitária. Se assim não fosse não faria sentido Jesus tê-la estabelecida na páscoa e como continuação do caráter sacramental desta festa em uma definição mais ampla. Isso todo teólogo sabe muito bem.  O que muitos não percebem é que a Ceia demoninacional está impregnada de julgamentos farisaicos e que produz por esses insuportáveis conceitos legalistas, um ideal de celebração estranha ao que a Bíblia nos apresenta. Vejamos quais são eles:
     
                                              1)OS ELEMENTOS DA CEIA:

Creio que a Ceia do Senhor é uma refeição comum dos filhos de Deus, baseio-me conforme os escritos bíblicos e históricos que não me deixam mentir.A atual Santa Ceia(para presbiterianos)ou Ceia do Senhor(para batistas) foi  denominada na igreja primitiva como ‘’Festa Ágape’’. Ágape é uma das palavras gregas para o amor, esta palavra indica nas escrituras sagradas em especial no Novo Testamento, o banquete fraternal. No século II Plínio passou a anunciar a santa ceia sem o ágape, tal pensamento foi ainda reforçado por Cipriano, desde esta época esta demonstração de fraternidade começou ser deixada de lado. Os cristãos primitivos tinham por costume realizar refeições comunitárias onde a igreja cristã se reunia. Cumpria-se a risca os mandamentos de Nosso Senhor Jesus quanto o cuidado do pobre e necessitado, durante este ato de fraternidade a igreja tinha a oportunidade de manter melhor comunhão, não somente espiritual, como fraternal, pois havia melhor contato dentre os membros do corpo de Cristo. As pessoas literalmente usavam de amor, cuidando ainda dos mais pobres, sentando-se com eles em condições de igualdade e demonstração de amor ao próximo; em Judas 1.12 a refeição fraternal é chamada “vossas festas de amor” ou “banquetes de caridade”. O Ágape era realizado numa mesa, iniciado com uma benção, onde se comia com disciplina, evitando razão de escândalo e queda (1 Cor 11) sendo encerrado com a lavagem de mãos e um cântico de ação de graças, acerca dele falou Tertuliano na apologética sobre clima dessas reuniões: “Nelas come-se a quantidade da sua fome. Bebe-se o quanto convém a pessoas sóbrias. Sacia-se o apetite como homens que, mesmo à noite, lembram-se que devem adorar a Deus. Conversa-se como homens que sabem que Deus escuta.” As primeiras igrejas reuniam-se quase sempre nas casas de seus membros, mantendo maior fraternidade, ou seja, havia além da comunhão espiritual a comunhão fraternal, vivendo como uma família acolhedora, onde todos se conheciam – Atos 2.46: E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam com alegria e singeleza de coração...Os ágapes eram verdadeiras lições de amor e exemplo para os cristãos e para os de fora - “Depois cada um vai embora, não como bando de assassinos, ou grupo de vagabundos, ou turma de libertinos, mas com o mesmo cuidado da modéstia e do pudor, como pessoas que à mesa mais do que comida tomaram uma lição.” Tertuliano, Apologético 39.Tendo esse entendimento sobre os aspectos que envolvem a Ceia do Senhor não podemos resumi-la a um simples momento onde individualmente os cristãos comem um pedaço minúsculo de pão de forma e bebem um copinho de suco de uva. A religiosidade do cristianismo retirou da Ceia o seu caráter festivo e comunitário e a transformou num ritual impessoal.Em Atos 2 lemos que a igreja ao celebrar seus ágapes o faziam em singeleza de coração e com toda a alegria que convém aos santos. Como refeição, a Festa do amor ou partir do pão, deve ser celebrada com toda propriedade que lhe é devida, ou seja, como mais que um almoço ou um jantar,e sim um tempo de partilha,onde todos são convidados a trazerem de casa seus alimentos como declaração de gratidão a Deus e amor aos irmãos.Em um dado momento oraremos,daremos graças a Deus e em unidade expressaremos a natureza sacramental da celebração com os dois elementos.Outra questão importante a ser tratada é sobre o ascetismo na Ceia ou seja a substituição do vinho pelo suco de uva.A liderança das igrejas evangélicas na sua falta de discernimento da verdadeira liberdade,instituíram regras morais com a inútil finalidade de coibir seus membros a uma vida de desequilíbrio.É obvio que não existe nenhum versículo bíblico que desaprove o ato moderado de beber.Para quem conhece o evangelho da graça,isso é uma questão bem resolvida.É inegável que em todas as partes na bíblia que mencionam algo sobre a ceia,o vinho está presente.Paulo relatou que na ceia da Igreja de Corinto havia embriaguês pela falta de moderação e em momento algum proibiu o uso da bebida nas festas da comunidade.Jesus bebeu vinho com seus discípulos e escolheu esta bebida fermentada para simbolizar seu sangue,como a fonte de alegria para as nossas almas. O ideal é que uma igreja local realize dentro de seu costume, pelo menos uma vez por mês o Ágape como a expressão máxima da vida comum dos crentes e também como um testemunho autêntico do caráter amoroso dos que estão batizados no corpo, atraindo para a evangelização os que não estão ligados a esse mover de comunhão.



                                                      2)  O INTENSO CERIMONALISMO



 É importante deixar bem claro, que não é a minha intenção uniformizar a celebração da Ceia ou regulamentar sua forma de observação, mas apenas, com base na Bíblia esclarecer aos amados um posicionamento que acredito ser a expressão prática neo-testamentária e digna de toda confiança para ser ensinada e vivenciada no encontro dos irmãos em torno do nome de Jesus. Quando me encontrava emergido na realidade denominacional, via os elementos servidos pelos presbíteros e os comungantes participavam do sacramento em questão de segundos. Não havia tempo sequer para um membro olhar para o outro e pensar em declarar o amor de Jesus. Quando despertado do sono religioso,já compreendendo a necessidade de restaurar a natureza do ágape,e ao ver a igreja observar o memorial de Cristo de forma ordinária, sem as evidencias de quebrantamento, reconciliação, liberação de perdão e espiritualidade,não consegui suportar tamanha superficialidade.Há de se mencionar que todas as celebrações eucarísticas são liturgicamente iguais entre eles. Meticulosamente é cumprido o ritual e os comungantes voltam para seus lares da mesma maneira que entraram no recinto. Amados a vida da igreja é a expressão devocional em espontaneidade. A petrificação das ações litúrgicas adoece as comunidades evangélicas. Voltemos à simplicidade do evangelho, a pureza em cultuar comunitariamente sem se preocupar com sistemas de liturgia, vale a pena infringir a liturgia denominacional em nome da liberdade do Espírito. Façamos como os primeiros discípulos de Jesus que comeram as espigas de trigo no dia de sábado sem a preocupação religiosa de estarem descumprimentos preceitos cerimoniais.

                                          3) A EXCLUSÃO DE MEMBROS ''PECADORES'':


Outro fator que merece destaque é a proibição para certas pessoas na participação dos elementos com base na sua pecaminosidade. Pense bem, se atentarmos para a realidade do pecado nas nossas vidas seremos eternamente impedidos de comungar dos sacramentos. Se estabelecermos que somente os puros, os intocáveis serão dignos de celebrar o memorial da morte do Senhor, certamente não haverá lugar para ninguém, a começar pelos pastores que constantemente agem imprudentemente com suas ovelhas. Segundo Paulo em I Cor 11 o que pode levar uma pessoa a ser réu do corpo e do sangue de Cristo é a sua falta de discernimento do corpo espiritual, que é a Igreja e não a realidade das nossas fraquezas ou erros cometidos. Pelo contrário, a Ceia do Senhor é preparada para fortalecer a vida espiritual dos que andam vagarosos, visto que para se assentar a essa mesa só é necessário crer e professar a fé entregue uma vez aos santos. Quantas atitudes reprováveis presenciei naquela comunidade. Lembro de um domingo pela manhã, quando o pastor anunciou publicamente, em alto e bom som que uma irmã estaria submetida a um processo disciplinar devido a prática de fornicação.A partir de então, a jovem disciplinada pelos presbíteros fariseus teve por constrangimento que se ausentar da Ceia por um determinado período, como se o perdão de Deus que é instantâneo não fosse suficiente para reconciliar a pessoa a comunidade dos eleitos.Na primeira celebração da ceia do Novo Testamento havia alguém digno para sentar-se a mesa com o Senhor Jesus?Judas o traidor era digno?Pedro o inconstante passaria pelo crivo das igrejas evangélicas? Em ambientes onde existe a ilusória idéia de santificação total no parâmetro religioso, o vírus do farisaísmo e da hipocrisia se multiplica velozmente, fazendo com que o redil se torne um lugar insuportável para quem almeja ser tratado baseado na graça de Jesus. O interessante nessa história, é que, do ponto de vista do evangelho, quem estava impossibilitado de comungar seria todos os que vissem aquela jovem como pecadora. Quem não discerne que no corpo existem membros enfermos não pode provar dos elementos da Ceia. Quem não enxerga o outro reconciliado por Deus em Cristo estará em trevas, por que o princípio básico para uma comunidade ser igreja de Cristo é viver inclusivamente. Era esse o problema da igreja em Corinto, os ricos ceavam primeiro, degustavam as melhores comidas e os pobres por último tinham que se conformar com o restante das migalhas dos ricos ou mesmo celebrar a ceia com seus alimentos simples. Por isso Paulo repreende uma ala da igreja, exortando-os a esperarem os outros, para que todos expressassem a multiforme graça em ordem e amor.

Que venhamos a ser a igreja que proclama o amor como a bandeira do evangelho.
No favor imerecido de Deus,

Discípulo Paulo César Jr.